quinta-feira, 8 de março de 2012




Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas.
Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado, mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele, a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção não precisa ser parruda, decidida; ou bandoleira basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado, não é quem não tem amor, é quem não sabe o gosto de namorar. Há quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, pois paqueras, um envolvimento e dois amantes; mesmo assim pode não ter nenhum namorado.
Não tem namorado quem não sabe o sabor da chuva, do cinema sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acarícia sem carinho ou sem vontade de virar sorvete ou lagartixa, quem se ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a infelicidade.
Namorar é fazer pactos coma a felicidade ainda que rápida, escondida, fugida ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de andar de mãos dadas; de carinho escondido na hora que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando se fala junto ou descobrem meia rasgada; de ânsia enorme de viajar para Escócia ou mesmo metro, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, de fazer cesta abraçado, de fazer comprar juntos.
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horar e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado, e sai com ela para parques, fliperamas, beira d'água, bosques enluarados ou rua dos sonhos.
Não tem namorado, quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não corta artigos; quem gosta sem curtir, quem curti sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada, ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações, quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado quem confunde ficar solidão com ficar sozinho em paz. Não tem namorado que não fala sozinho, quem não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos, ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternura, escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passar por de baixo de sua janela. Ponha intenções de quermesse no seu olhos e beba licor de conto de fadas. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboleta, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanterias.
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido. - Carlos Drummond de Andrade



Nenhum comentário:

Postar um comentário